Com efeito, para Grischa Merkel e Gerhard Roth, “boa parte de nossas
decisões conscientes estão previamente determinadas nas partes subcorticais do
sistema neuronal, cuja atividade não está acompanhada substancialmente da
consciência. Isso não significa, porém, que o desenvolvimento dos atos
conscientes estão completamente predeterminados por processos inconscientes, o
que converteria aqueles em meros epifenômenos, senão que os processos de
elaboração consciente da informação no cérebro representam acontecimentos
neuronais totalmente diferentes dos inconscientes”. Enfim, o conceito de
decisão de vontade reflexiva e livre de motivos é insustentável desde um ponto
de vista da psicologia do comportamento e da investigação sobre o cérebro,
razão pela qual que só existem condutas determinadas por motivos ou causais,
mas de modo algum ações produzidas de um modo puramente mental.[2]
De acordo com Francisco Rubia, “se não existe liberdade, não se concebe
culpabilidade, nem imputabilidade, de modo que não se deve castigar aqueles
membros da nossa sociedade que transgridem as leis que nós mesmos criamos para
permitir uma convivência pacífica. Cabe supor que nenhum novo conhecimento
poderá mudar esse fato, mas mudará a imagem que nos formamos do criminoso ou
transgressor das leis, pois não será culpável, embora deva ser isolado em
benefício da sociedade”[3].
Enfim, e conforme Gerhard Roth, “o ato consciente de vontade de nenhum
modo pode ser o causador do movimento, porque este movimento já está
previamente fixado por processos neuronais”.[4]
Parece assim que o que a neurociência pretende demonstrar é que não
decidimos sobre os aspectos essenciais do nosso modo de ser e agir, isto é, que
não decidimos, por exemplo, sobre ser homo ou heterossexual, religioso ou ateu,
honesto ou desonesto, triste ou alegre, solidário ou indiferente, violento ou
pacífico etc. No máximo, decidiríamos sobre aspectos superficiais ou
secundários referidos à personalidade. Exatamente por isso, os critérios
socialmente construídos de imputação de responsabilidade seriam grandemente
arbitrários, uma vez que teriam por pressuposto uma liberdade humana de agir que
de fato não existe. A culpabilidade (e não só ela) seria, por conseguinte, uma
ficção reguladora (Nietzsche).
E, apesar de alguns autores (juristas e neurocientistas[5])
pretenderem que semelhante abordagem seja, em princípio, um problema (apenas)
de culpabilidade penal, a justificar uma reformulação substancial do seu
conceito, pressupostos, estrutura, excludentes etc., ela importa, em verdade,
numa radical revisão da própria ideia de direito e de responsabilidade jurídica
(penal, civil, administrativa etc.), inclusive porque o penal é,
antes de mais nada, um adjetivo para o direito.
Hassemer tem, pois, razão quando assinala que quem – por razões que
sejam – negue que os seres humanos podem ser responsáveis pelo que fazem,
elimina uma peça chave do nosso ordenamento jurídico, mas também de nosso
mundo.[6]
[1] Cf. Demétrio Crespo, Eduardo. Libertad de voluntad, investigación
sobre el cérebro y responsabilidad penal. Barcelona, Abril de 2011. Disponível
em INDRET.COM.
[2] 2Cf. Demétrio Crespo,
Eduardo. Libertad de voluntad, investigación sobre el cérebro y
responsabilidad penal. Barcelona, Abril de 2011. Disponível em INDRET.COM.
[3] Apud Bernardo Feijoo Sánchez. Derecho
Penal y Neurociências. Uma relación tormentosa? Barcelona, Abril de 2011. Disponível
em INDRET.COM.
[4] Apud Hassemer, Winfried. Neurociências y
culpabilidad en Derecho penal. Barcelona, Abril de 2011.
[5] Nesse sentido, Feijoo Sánchez: “Para
evitar equívocos com respeito às dimensões do problema, os neurocientistas
citados não discutem em absoluto que adotamos decisões, é dizer, formulado em
termos dogmáticos, que atuamos dolosa ou imprudentemente. O que pretendem
ressaltar é que ditas decisões não são em última instância livres senão que
determinadas por multitude de condições que não se podem controlar
conscientemente.”, cit., p. 6.
Paulo Queiroz
http://pauloqueiroz.net/neurociencia-e-direito-primeiras-impressoes/
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