A
neurociência é o estudo da realização física do processo de informação no
sistema nervoso humano animal e humano. O estudo da neurociência engloba três
áreas principais: a neurofisiologia, a neuroanatomia e neuropsicologia.
A
neurofisiologia é o estudo das funções do sistema nervoso. Ela utiliza
eletrodos para estimular e gravar a reação das células nervosas ou de área
maiores do cérebro. Ocasionalmente, separaram as conexões nervosas para avaliar
os resultados.
A
neuroanatomia é o estudo da estrutura do sistema nervoso, em nível microscópico
e macroscópico. Os neuroanatomistas dissecam o cérebro, a coluna vertebral e os
nervos periféricos fora dessa estrutura.
A
neuropsicologia é o estudo da relação entre as funções neurais e psicológicas.
A principal pergunta da neuropsicologia é qual área específica do cérebro
controla ou media as funções psicológicas. O principal método de estudo usado
pelos neuropsicólogos é o estudo do comportamento ou mudanças cognitivas que
acompanham lesões em partes específicas do cérebro. Estudos experimentais com
indivíduos normais também são comuns.
Estrutura e funcionamento do sistema nervoso
Observando
a estrutura do sistema nervoso, percebemos que eles têm partes situadas dentro
do cérebro e da coluna vertebral e outras distribuídas por todo corpo. As
primeiras recebem o nome coletivo de sistema nervoso central (SNC), e as
últimas de sistema nervoso periférico (SNP). É no sistema nervoso central que
está a grande maioria das células nervosas, seus prolongamentos e os contatos
que fazem entre si. No sistema nervoso periférico estão relativamente poucas
células, mas um grande número de prolongamentos chamados fibras nervosas,
agrupados em filetes alongados chamados nervos.
Os
nervos (conjunto de neurônios) podem ser divididos em nervos que levam
informação para o SNC e nervos que levam informação do SNC. Os primeiros são
chamados fibras aferentes e os últimos de fibras eferentes. As fibras aferentes
enviam sinais dos receptores (células que respondem ao estímulo sensorial nos
olhos, ouvidos, pele, nariz, músculos, articulações) para o SNC. As fibras
eferentes enviam sinais do SNC para os músculos e as glândulas.
Os
neurônios são formados por três partes: a soma, os axônios e os dendritos. A
parte central, corpo celular ou soma, contém o núcleo celular. Pode-se observar
que a soma possui grande número de prolongamentos, ramificando-se múltiplas
vezes como pequenos arbustos, são os dendritos. É através dos dendritos que
cada neurônio recebe as informações provenientes dos demais neurônios a que se
associa. O grande número de neurônios é útil a célula nervosa, pois permite
multiplicar a área disponível para receber as informações aferentes. Saindo da
soma também, existe um filamento mais longo e fino, ramificando-se pouco no trajeto
e muito na sua porção terminal, é o axônio. Cada neurônio tem um único axônio,
e é por ele que saem as informações eferentes dirigidas às outras células de um
circuito neural.
A
região de contato entre um terminal de fibra nervosa e um dendrito ou o corpo
(mais raramente um outro axônio) de uma segunda célula, chama-se sinapse, e
constitui uma região especializada fundamental para o processamento da
informação pelo sistema nervoso. Na sinapse, nem sempre, os sinais elétricos
passam sem alteração, podem ser bloqueados parcial ou completamente, ou então
multiplicados. Logo, não ocorre apenas uma transmissão da informação, mas uma
transformação durante a passagem.
A
transmissão sináptica pode ser química ou elétrica. Na sinapse elétrica, as
correntes iônicas passam diretamente pelas junções comunicantes (região de
aproximação entre duas células) para as outras células. A transmissão é
ultra-rápida, já que o sinal passa praticamente inalterado de uma célula para
outra. Na sinapse química, a transmissão do sinal através da fenda sináptica
(região de aproximação entre duas células, bem maior que as junções
comunicantes) é feita através de neurotransmissores. A sinapse química pode ser
exitatória, quando ocorre um aumento no estímulo recebido pelo neurônio pós-sináptico,
ou inibitória, quando ocorre uma diminuição do estímulo no neurônio
pós-sináptico. São essas transformações ocorridas durante a sinapse que
garantem ao sistema nervoso a sua enorme diversidade e capacidade de
processamento de informação
Uma
das melhores maneiras de perceber a influência dos neurotransmissores na
cognição é observando a quantidade de drogas cujo efeito provêm da modificação
da atividade dos neurotransmissores, como a nicotina.
Plasticidade
Plasticidade
é a capacidade do sistema nervoso alterar o funcionamento do sistema motor e
perceptivo baseado em mudanças no ambiente.
Estudos
comprovam a hipótese sobre o desenvolvimento neural e a aprendizagem na qual
funções particulares de processamento de informação são controladas por grupos
especiais de neurônios, mas quando uma dessas funções fica inutilizada, os
neurônios associados a ela passam a controlar outra função. Por exemplo, se os
neurônios que normalmente recebiam estímulos do olho esquerdo pararem de
receber esse estímulo, eles se tornariam responsáveis pelos estímulos do olho
direito. O inverso também é verdadeiro, quando as funções neurais são
limitadas, os neurônios podem passar a controlar novas funções.
No
entanto, nem sempre esse processo ocorre. A plasticidade é mais comum em
crianças.
Memória de curto e longo prazo
Um
dos conceitos mais importantes dessa área é a distinção entre memória de curto
e longo prazo. Uma razão para acreditar nessa distinção é que, algumas vezes
depois de um severo golpe na cabeça, uma pessoa pode ser incapaz de lembrar
eventos que aconteceram antes do golpe (amnésia retrógrada), mas continuaria
lembrando dos eventos que ocorreram bem antes. A fragilidade das memórias
recentes sugeri que elas estavam num estado fisiológico diferente das memórias mais
antigas. Uma outra razão para essa distinção é que nós somos capazes de lembrar
um pequeno número de itens que nós acabamos de guardar na memória, mas podemos
lembrar uma grande quantidade de informação de um passado distante. Esses fatos
sugerem que a memória de curto prazo e a memória de longo prazo podem ter
propriedades físicas distintas.
Memória
de Curto Prazo (MCP): Capaz de armazenar informações por períodos de tempo um
pouco mais longos, mas também de capacidade relativamente limitada.
Memória
de Longo Prazo (MLP): Capaz de estocar informações durante períodos de tempo
muito longos, talvez até indefinidamente.
Linguagem e outras funções de alto nível
A
área de Broca e área de Wernicke
Em
1861,o neurologista francês Paul Broca identificou um paciente que era quase
totalmente incapaz de falar e tinha uma lesão nos lobos frontais, o que gerou
questionamentos sobre a existência de um centro da linguagem no cérebro. Mais
tarde, descobriu casos nos quais a linguagem havia se comprometido devido a lesões
no lobo frontal do hemisfério esquerdo. A recorrência dos casos levou Broca a
propor, em 1864, que a expressão da linguagem é controlada por apenas um
hemisfério, quase sempre o esquerdo. Esta visão confere com resultados do
procedimento de Wada, no qual um hemisfério cerebral é anestesiado. Na maioria
dos casos, a anestesia do hemisfério esquerdo, mas não a do direito, bloqueia a
fala. A área do lobo frontal esquerdo dominante que Broca identificou como
sendo crítico para a articulação da fala veio a ser conhecida como área de
Broca.(BEAR, 2002)
Em
1874, o neurologista Karl Wernicke identificou que lesões na superfície
superior do lobo temporal, entre o córtex auditivo e o giro angular, também
interrompiam a fala normal. Essa região é atualmente denominada área de
Wernicke. Tendo estabelecido que há duas áreas de linguagem no hemisfério
esquerdo, Wernicke e outros começaram a mapear as áreas de processamento da
linguagem no cérebro e levantaram hipóteses acerca de interconexões entre
córtex auditivo, a área de Wernicke, a área de Broca e os músculos requeridos
para a fala.
"O
modelo neurolingüístico de Wernicke considerava que a área de Broca conteria os
programas motores de fala, ou seja, as memórias do movimentos necessários para
expressar os fonemas, compô-los em palavras e estas em frases. A área de
Wernicke, por outro lado, conteria as memórias dos sons que compõem as
palavras, possibilitando a compreensão." (LENT, 2002, p. 637) Assim, se
essas duas áreas fossem conectadas, o indivíduo poderia associar a compreensão
das palavras ouvidas com a sua própria fala.
Atualmente,
o modelo de Wernicke teve que ser corrigido quando se observou que pacientes
com lesões bem restritas à porção posterior do giro temporal superior (a área
de Wernicke) apresentavam na verdade uma surdez lingüística e não uma
verdadeira afasia de compreensão. A área de Wernicke seria, então, responsável
pela identificação das palavras e não da compreensão do seu significado.
Distúrbios da fala e da compreensão
Damos
o nome de afasia a alguns dos distúrbios da linguagem falada causados por
acidentes vasculares cerebrais na sua fase aguda. Entretanto, nem todos os
distúrbios da linguagem podem ser chamados de afasia. São chamados de afasia
apenas aqueles que atingem regiões realmente responsáveis pelo processamento da
linguagem e não distúrbios do sistema motor, do sistema atencional, e outros
que seriam apenas coadjuvantes do processo. Ao contrário de um doente que não
consegue falar devido a paralisia de um nervo facial, os portadores de afasia
podem apresentar problemas de linguagem sem ter qualquer problema no
funcionamento muscular facial.
Segundo
Lent (2002), as afasias são classificadas em afasia de expressão, de
compreensão e de condução, de acordo com os sintomas do paciente e com a região
cerebral atingida.
A
afasia de Broca é também chamada de afasia motora ou não-fluente, já que as pessoas
têm dificuldade em falar mesmo que possam entender a linguagem ouvida ou lida.
Pessoas com esse tipo de afasia têm dificuldade em dizer qualquer coisa,
fazendo pausas para procurar a palavra certa (anomia). A marca típica da afasia
de Broca é um estilo telegráfico de fala, no qual se empregam, principalmente,
palavras de conteúdo (substantivos, verbos, adjetivos), além da incapacidade de
construir frases gramaticalmente corretas (agramatismo). É provocada por lesões
sobre a região lateral inferior do lobo frontal esquerdo.
A
afasia de compreensão ou afasia de Wernicke atinge uma região cortical
posterior em torno da ponta do sulco lateral de Sylvius do lado esquerdo. Os
pacientes não conseguem compreender o que lhes é dito. Emitem respostas verbais
sem sentidos e também não conseguem demonstrar compreensão através de gestos.
Apesar de possuir uma fala fluente, ela também não tem sentido pois não
compreendem o que eles mesmos dizem. Enquanto na afasia de Broca, a fala é
perturbada, mas a compreensão está intacta, na afasia de Wernicke, a fala é
fluente, mas a compreensão é pobre.
A
afasia de condução é provocada por lesão do feixe arqueado, feixes que conectam
a área de Broca com a área de Wernicke. Os pacientes seriam capazes de falar
espontaneamente, embora cometessem erros de repetição e de resposta a comandos
verbais.
Outros distúrbios
Afasia
é apenas uma das desordens que resulta de lesões do cérebro. Neurologistas
catalogaram um grande número de desordens. Abaixo temos uma pequena lista de
algumas delas:
Alexia:
inabilidade adquirida de compreender a linguagem escrita.
Agrafia:
inabilidade adquirida de produzir linguagem escrita apesar da presença da
linguagem oral, da leitura e de controle de movimentos normal
Apraxia:
inabilidade de ter movimentos propositais apesar da compreensão normal das
instruções, da força, do reflexo e da coordenação normais.
Agnosia
visual: perda da habilidade de reconhecer ou identificar a presença de objetos,
apesar nas funções visuais estarem intactas. Uma forma específica da agnosia
visual foi registrada como propagnosia, inabilidade de reconhecer faces.
Síndrome
da negligência: a tendência a ignorar coisas numa região particular do espaço
ignorando o módulo sensorial responsável pelos estímulos provenientes daquela
região. Pacientes com uma forma dessa síndrome chamada síndrome da negligência
unilateral ignoram as informações provenientes do lado esquerdo ou direito do
corpo e podem até esquecer de barbear essa parte do rosto ou de vestir esse
lado do corpo.
A especialização dos hemisférios
Apesar
do nosso cérebro ser divido em dois hemisférios não existe relação de
dominância entre eles, pelo contrário, eles trabalham em conjunto,
utilizando-se dos milhões de fibras nervosas que constituem as comissuras
cerebrais e se encarregam de pô-los em constante interação. O conceito de
especialização hemisférica se confunde com o de lateralidade (algumas funções
são representadas em apenas um dos lados, outras no dois) e de assimetria (um
hemisfério não é igual ao outro).
Segundo
Lent (2002), o hemisfério esquerdo controla a fala em mais de 95% dos seres
humanos, mais isso não quer dizer que o direito não trabalhe, ao contrário, é a
prosódia do hemisfério direito que confere à fala nuances afetivas essenciais
para a comunicação interpessoal. O hemisfério esquerdo é também responsável
pela realização mental de cálculos matemáticos, pelo comando da escrita e pela
compreensão dela através da leitura. Já o hemisfério direito é melhor na
percepção de sons musicais e no reconhecimento de faces, especialmente quando
se trata de aspectos gerais. O hemisfério esquerdo participa também do
reconhecimento de faces, mas sua especialidade é descobrir precisamente quem é
o dono de cada face. Da mesma forma, o hemisfério direito é especialmente capaz
de identificar categorias gerais de objetos e seres vivos, mas é o esquerdo que
detecta as categorias específicas. O hemisfério direito é melhor na detecção de
relações espaciais, particularmente as relações métricas, quantificáveis,
aquelas que são úteis para o nosso deslocamento no mundo. O hemisfério esquerdo
não deixa de participar dessa função, mas é melhor no reconhecimento de
relações espaciais categoriais qualitativas. Finalmente, o hemisfério esquerdo
produz movimentos mais precisos da mão e da perna direitas do que o hemisfério
direito é capaz de fazer com a mão e a perna esquerda (na maioria das pessoas).
Veja a Figura 2.2:
Figura
2.2: Especialização dos hemisférios. (LENT, 2002)
Implicações
nas Ciências Cognitivas
Existem
redundâncias consideráveis no sistema nervoso. A existência de processamento
paralelo é amplamente aceita na neurociência e acredita-se que ele seja necessário
devido a rapidez e complexidade do processamento da informação no cérebro das
criaturas vivas. O poder da computação paralela pode ser observado nos modernos
computadores seriais que demoram muito mais que o cérebro humano para processar
informações visuais. Nos últimos anos, reconheceu-se que computadores com
processamento paralelo são necessários para acelerar o processamento de
imagens, aproximando-o da velocidade do cérebro humano.
Esse
é um dos caminhos pelo qual a neurociência pode ajudar as ciências cognitivas.
A psicologia cognitiva tem
se esforçado para modelar as atividades intelectuais com elementos que interajam
numa maneira neurologicamente plausível. Esses modelos estão ajudando a mostrar
como a cognição pode ser estruturada através dos princípios básicos de operação
da mente.
Para saber mais:
Livros
e publicações:
BEAR,
Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
GARDNER,
Howard. A nova ciência da mente. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 1996.
LENT,
Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais. Atheneu:
São Paulo, 2002.
MYRES,
David G. Introdução à psicologia geral. 5. ed. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, 1999.
STILLINGS, Neil A. Cognitive
Science: an introduction. Cambridge: Massachusetts Institute of
Technology, 1989.
STENBERG,
Robert J. Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Links:
Página
com o material do curso de "Memória: representação do conhecimento, uma
abordagem cognitiva" oferecido pela professora Adriana Benevides do Núcleo
de Computacão Eletrônica da UFRJ.
Página
da revista "Mente e Cérebro" com artigos relacionados à neurociência.
Traduções
em geral e pesquisa em neurociência, linguagem, cognição e disciplinas
correlatas.
Página
do psicólogo Robert Maxwell Young com artigos publicados desde 1960, além de
livros na íntegra.
"Classics
in the History of Psychology", página em ingl6es com publicações de vários
estudiosos, como Skinner, Broca, Koffka e Lashey.
"How People Learn:
Brain, Mind, Experience, and School". Livro online de John D. Bransford,
Ann L. Brown e Rodney R. Cocking (editores).
Página
em inglês chamada "Classroom compass", com idéias, atividades e
recursos para professores interessados em melhorar suas aulas de matemática e
ciências. Incluindo o artigo "Research on brain", sobre com estudos
da mente podem ajudar no aprendizado.